Quem decide o que é memória? Pesquisadora mostra como patriarcado e a violência de gênero apaga mulheres em novo livro
Em “Por que nos querem esquecidas?”, fruto da tese de doutorado pesquisadora da UFCA Vitória Gomes, mostra como a exclusão das mulheres na história é uma política de dominação que precisa ser desfeita
ANA FERRARI DA COM.TATO
23/09/2025 10h52 - Atualizado há 6 horas
Ana Patrícia Sousa
Resultado da tese de doutorado e com atualizações de pesquisas feitas nos últimos três anos, Vitória Gomes lança “Por que nos querem esquecidas? Patrimônios, matrimônios e a descolonização da memória” (Editora da Universidade Estadual do Ceará, 2025, 290 págs.), obra que mergulha nas relações entre gênero, memória e colonialidade, propondo uma reflexão urgente sobre como as estruturas de poder têm perpetuado esquecimentos sistemáticos das mulheres, especialmente negras, indígenas, periféricas, LGBTQIA+ e com deficiências. O livro integra a Coleção Territórios de Criação, fruto do edital da Secretaria da Cultura do Ceará realizado via Lei Paulo Gustavo. A obra surgiu de uma inquietação pessoal da autora. Ao estudar a etimologia da palavra “patrimônio” – que, da sociedade romana antiga, remete ao “pater familias”, aquilo que pertence ao pai e é transmitido por uma linhagem masculina –, Vitória questiona a utilização de um termo com raízes tão patriarcais para designar o que é culturalmente relevante para toda uma sociedade. “Como cresci rodeada por mulheres, sobretudo minha mãe e uma tia, cujas histórias envolviam pouca escolarização e exploração, o uso de uma palavra que omite, já na forma de nomeação, a atuação de qualquer pessoa que não seja homem, me fez chegar no doutorado querendo pensar sobre as relações de poder que geram esses apagamentos, a partir de uma perspectiva de gênero no campo da memória e dos patrimônios”, explica a autora. A pesquisadora também está promovendo um curso com o tema "Por que nos querem esquecidas? Patrimônios e matrimônios em conceitos e disputas" em que aborda os temas da memória e do patrimônio com ênfase na dimensão de gênero e da descolonização. Com carga horária de 5 horas (divididas em quatro encontros on-line, via Google Meet), é voltado para estudantes, pessoas pesquisadoras, artistas e demais interessadas/os nos estudos de memória, gênero e patrimônio. Há bolsas disponíveis para pessoas negras, indígenas, trans e PCDs. As aulas iniciam no dia 20 de outubro e as inscrições estão disponíveis via Google Forms. Livro propõe a descolonização da memória Um dos argumentos do livro é que existe uma ligação direta entre a violência física e o apagamento histórico. Vitória desenvolve a tese de que o memoricídio – um apagamento sistemático da memória – e o feminicídio são duas faces da mesma moeda do patriarcado. “O feminicídio, o extremo da violência, atenta contra a vida das mulheres. Já o memoricídio é uma forma de extermínio das mulheres ao retirar seus lugares como sujeitas da história, silenciando suas contribuições para o desenvolvimento das sociedades”, analisa a pesquisadora. A obra evidencia como o apagamento na memória é uma política de dominação que impede a valoração e o reconhecimento das mulheres, diminuindo seu prestígio e status social. A trajetória pessoal de Vitória é um fio condutor fundamental na narrativa. Nascida em Brasília (DF) e criada entre Valparaíso de Goiás e Juazeiro do Norte, no Ceará, ela encontrou na história de sua própria família a matéria-prima para suas reflexões. A mudança para o Cariri cearense, terra de sua família materna, a conectou com os saberes e fazeres tradicionais que mais tarde se tornaram tema de seu estudo. Além de uma crítica bem-fundamentada, “Por que nos querem esquecidas?” é um convite à ação e à resistência. A autora defende a necessidade de debater coletivamente que tipo de memória e identidade queremos construir como sociedade, incluindo os diferentes grupos historicamente desconsiderados. O livro não propõe o abandono das políticas patrimoniais, mas sim seu aprimoramento. A obra é um importante instrumento para pensarmos em outras formas de recordar e valorizar, destacando o papel das mulheres como guardiãs e produtoras de artes, culturas e memórias. Sobre a autora Vitória Gomes é professora, pesquisadora e brincante. Integra o grupo de Coco São Francisco de Mestre Dodô e Mestre Joãozinho, em Juazeiro do Norte (CE). Doutora e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é professora na Universidade Federal do Cariri (UFCA), onde coordena o grupo de pesquisa SABERES. Em 2025, iniciou seu pós-doutorado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), investigando memórias e saberes de mulheres no Programa de Saberes Tradicionais. Sua trajetória acadêmica e pessoal é profundamente marcada pelas culturas populares e pela luta contra o apagamento das memórias femininas. AGENDA DE LANÇAMENTO Data: 25 de setembro
Horário: 19h
Local: Arena Dragão ( Rua Dragão do Mar , 81 , Praia de Iracema) – Fortaleza/CE
Entrada: Gratuita Data: 3 de outubro Horário: 19h Local: Biblioteca Roberto Pereira – Instituto de Artes Dança Cariri (Rua São Francisco, 836, Centro) – Juazeiro do Norte/CE Entrada: Gratuita Data: 4 de outubro Horário: 17h Local: Centro Cultural do Cariri (CCCARIRI - Av. Joaquim Pinheiro Bezerra de Menezes, 1 - Gizélia Pinheiro - Batateiras) – Crato/CE Entrada: Gratuita Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
ANA LAURA FERRARI DE AZEVEDO
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