Ao longo de 20 faixas, disco duplo levanta questões acerca do trabalho, dos relacionamentos e da
carga mental depositadas na mulheres, vai do amor e sexo à depressão pós-parto, e faz convite
conciliatório aos homens para transformação conjunta;
Quantas jornadas de trabalho cabem nas 24h de uma mãe? Em pleno 2024, a sociedade ainda faz
parecer que as mães não cabem nas jornadas do mundo. Enquanto as mulheres estão
sobrecarregadas emocionalmente e fisicamente pela demanda de não renunciar a si, e ainda dar
conta da criação de seus filhos, essa ainda parece uma tarefa extremamente solitária num país onde
mais de 170 mil crianças nascem por ano sem registro do pai (dados da Agência Brasil). Podemos
dizer que esse é o útero do novo projeto de Verônica Ferriani. Neste 22 de março, a cantora,
compositora, instrumentista e produtora musical lança o álbum duplo “Cochicho no silêncio vira
barulho, irmã”, que joga luz sobre questões relacionadas à maternidade e ao cuidado, mas também
ao papel designado à mulher ainda hoje. Com um ponto central de importância: o disco, que reúne
20 canções, 17 delas compostas pela artista, tem tom conciliatório, e faz um convite para a procura
de caminhos que possam transformar essa realidade.
Dividido entre “Cochicho no silêncio” e “Vira barulho, irmã”, o novo álbum coleciona uma extensa
lista de participações, entre elas, as vozes de Áurea Martins, Alessandra Leão, Anaïs Sylla, Flávia
Maia, Mairah Rocha, Assucena, Mônica Salmaso, Flaira Ferro, Lurdez da Luz e Giana Viscardi.
Com exceção de três músicas, Verônica Ferriani assina a composição de todo o álbum.
O título traz um chamado para a ação: uma narrativa feminina para além do discurso. O projeto é
descrito por Verônica como confessional, quase biográfico. Tendo o trabalho maternal como base
temática, a artista elabora sentimentos como raiva, frustração, mas também a vontade de buscar
novos caminhos para resolvê-los, não só entre mulheres.
“No álbum, as questões culturais e históricas que dificultam nosso movimento livre ficam aqui
poetizadas. O desejo é ser mais uma voz no movimento por narrativas femininas, aqueles em que a
gente se reconheça, neste chamado a uma forma mais equilibrada de ocupação do nosso mundão”,
explica Verônica.
Faixa a faixa
A faixa que abre o disco – um samba, esse símbolo de busca por liberdade, e também faixa-título,
“Cochicho no silêncio vira barulho, irmã” – situa a temática construída ao longo de todo o álbum:
as expectativas culturais que invariavelmente recaem sobre o gênero feminino, associadas à
maternidade e ao cuidado. Áurea Martins surge como representação da universalidade e
atemporalidade da experiência feminina.
“Não me contento” traz um dos lados do prisma pelo qual a maternidade é destrinchada ao longo
de todo o trabalho – a descoberta de um novo amor, até então desconhecido, e traz a participação
de Alessandra Leão. “O convite à Alessandra Leão para integrar a faixa se deu ao lembrar de um
sonho que ela relatou ter tido comigo grávida, sem saber que eu havia acabado de perder a gravidez
de poucas semanas. Histórias como esta dão o tom confessional, sincero e em certa medida
biográfico, que acompanha as canções do disco.”, conta Verônica.
A temática segue com “La Mer”, escrita pela artista franco-senegalesa Anaïs Sylla e que também
dá voz à faixa; “Acorda, Mamãe”, que reflete sobre o trabalho das mulheres para além da
maternidade, e com participação de Flávia Maia e Mairah Rocha, propõe também uma busca pelo
reconhecimento da própria origem e do entendimento da organização da sociedade.
A cantora Assucena marca presença em “Sem Regras”, faixa que questiona quem faz as regras da
sociedade – e para quem elas valem. Mônica Salmaso dá a voz em “Amor que Fica”, que remete
ao cuidado feminino não só no papel de mãe, mas na rede de apoio que se constrói ao longo da
vida, inspirado pelo próprio processo de perda materna que Verônica enfrenta.
“Foto Linda” traz o protagonismo da voz de Verônica para cantar uma representação crua do
relacionamento após a chegada dos filhos, e o desequilíbrio de expectativas e funções acumuladas.
“Peitos Caídos” é entoada pela voz de Flaira Ferro (também autora do texto) e faz um retrato da
amamentação como símbolo da maternidade e das mudanças corporais atravessadas pelas mães.
“Pra baixo do tapete” abre a segunda metade do disco duplo, e traz o mar de responsabilidades e
demandas exigidas pela maternidade, que nunca serão atendidas por completo e perfeitamente,
mas que podem ter outro peso quando se tem uma rede de apoio. “Essa é pra quem?” segue o
tom de desabafo cansado para falar sobre vontades deixadas de lado por conta do trabalho
maternal e da falta de apoio dos parceiros. A temática do relacionamento transformado continua em
“Te Querendo”, que apresenta as mudanças na realidade de um casal após o nascimento das filhas
– desde o amor e sexo à depressão pós-parto. Esse processo de redescoberta da identidade e
sensualidade se costura com “Blue Moon”.
A carga mental e a rotina abarrotada seguem em pauta na faixa “Cadê Humor?”, seguida por
“Passada de Pano”, que conta com a participação de Lurdez da Luz para abordar os abusos em
relações que são relativizados, amenizados ou ignorados, e que afetam em sua maioria as mulheres.
“Num Dia Como Hoje” constrói uma abordagem minimalista para falar sobre os ciclos da vida;
“Permitir-se” traz a voz de Giana Viscardi para falar do sentimento de culpa presente na
maternidade, e a importância de saber olhar para si mesma e reconhecer a própria caminhada;
“Saudade de alguém” destaca a importância de se estar presente, construindo as relações, no
misto de saudade de quem não está perto e a vontade (impossível) de juntar todos aqueles que
fazem parte de nossa vida.
Inspirada na ex-presidente neozelandesa Jacinda Ardern, “Jacinda & Eu” apresenta o nome de
todas as musicistas, cantoras e participantes do álbum, além de algumas mulheres que integram a
rede de apoio da artista. É um agradecimento e um reforço necessário àquelas que constroem a
caminhada; não há como fazê-la sozinha. “Essa música também protesta contra a dificuldade de
acesso às informações nas plataformas digitais, num apelo para que os ouvintes se atentem aos
profissionais que lá não ficam listados”, complementa a artista.
Primeira faixa-bônus, “Uma Canção Para Você” é dedicada ao companheiro de Verônica, em uma
lembrança de que todo casal existe antes do nascimento dos filhos e é uma construção diária a
partir do amor, descrita pela compositora como “uma canção simples sobre o amor parceiro e
profundo, dedicada a nosso maior aliado nesta aventura que é viver, com ou sem filhos”.
“Trabalho Maternal” fecha o álbum em um desenho claro que sintetiza o impacto da maternidade
na vida da mulher, resumindo as discussões levantadas ao longo das faixas anteriores acerca do
trabalho materno e de todo o peso, expectativas, dilemas e desigualdades que vêm com ele, e a
quem interessa mantê-los.
As 20 faixas de “Cochicho no silêncio vira barulho, irmã” costuram abordagens e reflexões sobre
as expectativas culturais e os papéis de gênero, em um convite para a união e a mudança. Um disco
feito a muitas mãos, e um convite aberto para homens e mulheres se juntarem a ele.
Sobre Verônica Ferriani
Natural de Ribeirão Preto, Verônica Ferriani é cantora, compositora, instrumentista e produtora
musical. Tem 4 discos solo e 2 coletivos lançados, além de colaborar em projetos especiais
diversos.
Gravou nos DVDs recentes de Yamandu Costa e de Toquinho, com quem esteve em turnê Voz e
violão entre 2011 e 2018. Fez shows como convidada de Ivan Lins, Beth Carvalho, Spokfrevo
Orquestra, Mart’nália, Noca da Portela, Xande de Pilares, entre outros. Dividiu o palco em
projetos especiais com Monarco, Moska, Jair Rodrigues, Teresa Cristina, entre muitos outros.
Liderou a Gafieira São Paulo, vencedora do 22o. Prêmio da Música Brasileira (2011), como
melhor grupo de samba.
Convidada a representar a nova música no Projeto Novas Vozes do Brasil, parceria do Itamaraty e
MinC com Embaixadas do Brasil pelo mundo, apresentou-se em festivais e importantes espaços do
Japão, Rússia, Portugal, Argentina, Colômbia, Espanha e Israel.