que serve de motor, de Bruno Del Rey, conta com 10 faixas autorais produzidas por Rafael Aragão. O álbum, lançado pelo selo francês Groover Obsessions, está disponível em todas as plataformas digitais e deve ser lançado em vinil no próximo semestre. “O que serve de motor remete ao que buscamos como combustível, ao que nos faz abrir os olhos, que nos inspira e motiva a seguir adiante, ao que aquece o peito e confere propósito à vida”, comenta Bruno.
Desde 2018, o cantor e compositor Bruno Del Rey vem lançando singles e EPs influenciados pelas raízes do soul e pela música e a estética produzida nos anos 60. Com o surgimento de vozes como Sharon Jones & The Dap Kings, Charles Bradley, até Amy Winehouse, uma crescente cena do chamado retrosoul vem se estabelecendo em todo o mundo. No Brasil, Del Rey tem se destacado como maior representante do estilo, continuando as lições da escola soul brasileira criada por Tim Maia e Cassiano. “Artistas dessa corrente revivalista do soul foram buscar suas referências em cantores e cantoras dos anos 50 e 60, especialmente os americanos. Eu também fui muito influenciado por eles – pelo blues, pelo jazz e finalmente pelo soul americano -, mas sou brasileiro, então fui fundo na influência do gênero aqui no Brasil, desde Wilson Simonal a Tim Maia e Cassiano”, diz o artista.
São 10 faixas (4 em inglês, 6 em português), produzidas por Rafael Aragão. “As letras de Del Rey carregam uma poesia genuína e cativante, fugindo do óbvio. Geralmente sob perspectiva de experiências da alma, por vezes sarcásticas, ácidas, mas, em sua maioria, profundas e reflexivas. A voz parece vir de outra era. A maneira como Bruno une estética e musicalidade torna seu trabalho cativante e singular”, ressalta o produtor. “Dead Soul”, “O toque amoroso do gin”, que conta com a participação especial de Marco Stoppa, trompetista da Nomade Orquestra, e “There’s a flower blooming in my chest” anteciparam O que serve de motor, lançadas como single. “Bruno Del Rey tem uma voz tão cheia de alma, uma energia retrô. Adorei o nome da canção “There´s a flower blooming in my chest” e todo aquele repertório de notas altas! Sou muito fã”, destacou Winnie Ama, apresentadora do programa Future Soul and RNB, da rádio Colourful, de Londres (UK), após a música. Em 2022, o artista gravou uma live session no terraço da Fauhaus em que apresenta ao vivo canções, até então inéditas, do projeto. A versão audiovisual gravada para a faixa-título, O que serve de motor, acompanha o lançamento do álbum e já está no YouTube.
FAIXA A FAIXA ASSINADO POR BRUNO DEL REY
Dead soul
Sem dúvida, a letra mais emblemática do disco. O interessante é que me veio à cabeça como um sopro, rápida. Melodia e harmonia, já vinha trabalhando há um tempo, mas a letra veio como que do inconsciente. Imagens de sensações, uma história sobre morte, abismo e redenção. Sobre todas as deturpações e desvios que temos que matar em nós mesmos ou nos outros e como isso traz a “inevitabilidade de uma alma vazia”. Me permiti explorar bem as possibilidades com a voz e a melodia dos sopros é uma das que mais gostei de fazer com Rafael Aragão porque trouxe essa sensação ao mesmo tempo fúnebre e inspiradora, tal qual a letra. Foi o primeiro single do álbum a ser lançado.
Exale busca por compreensão
Pra mim um dos pontos fortes do arranjo que fizemos são os metais. Lembro-me de me inspirar muito em bandas instrumentais de retrousoul como Menahan Street Band, The Olympians e também na atmosfera dos naipes de Jorge Ben na década de 60. Já tinha a canção quase pronta há mais de 1 ano antes de começarmos a gravar, mas fui lapidando no decorrer de ensaios. Gosto muito da mensagem na letra também, achei que acertei na tradução do sentimento de busca que temos ao longo da vida. A letra é um diálogo na verdade, com a vida.
There´s a flower blooming in my chest
Visceral. A letra é um pouco mais direta, ainda assim com metáforas que sintetizam bem o desabrochar de dores e descobertas. Assim como em Dead soul, me doei bastante na voz e o arranjo da banda é bastante intenso. Estava pesquisando timbres em Alabama Shakes e The White Stripes e ouvindo muito O.V.Wright, um cantor Soul de Memphis (mais lado B que seus contemporâneos dos anos 70) que trazia características mais obscuras e pesadas. Foi o último dos 3 singles lançados que anunciavam o álbum.
O cara do terno preto
Foi uma das primeiras canções que compus para esse trabalho solo, ainda em 2016 e 2017. Eu já havia lançado a música no meu primeiro EP: “Respire fundo e diga 33” (2017). Pouca coisa mudou dessa primeira versão em termos de estrutura, porém, elementos como metais, timbres e linguagem vocal foram incorporados para que déssemos a roupagem do disco e a trouxéssemos para um lado mais Soul de fato. Ainda assim, a faixa conserva características pop originais bem fortes que a diferem um pouco das outras canções do álbum. A letra fala sobre introspecção, exposição e vulnerabilidade.
Black´n´White shot photographer
A canção tem bastante influência do R´n´B e Rock do começo dos anos 50. Queríamos trazer essa atmosfera por ser uma faixa mais dançante. Fizemos a marcação de Sax barítono muito utilizada no estilo à época, tanto em bandas de R´n´B e Blues quanto nas bandas dos primeiro Rocks que brotavam, do Blues/Soul de Sam Cooke ao Blues/Rock de Bill Halley and His Comets.
De maneira bem humorada a letra trata de momentos em preto e branco como metáfora para tristes memórias de um relacionamento rompido. Em algumas faixas do disco optamos por enfatizar a harmonia vocal, essa é uma das principais. O refrão é sempre cantado numa harmonia de 3 partes, outro elemento bastante utilizado nos anos 50.
Sigamos juntos
Com batida mais “funkeada”, a faixa é guiada instrumentalmente por um consistente riff de guitarra e baixo. A letra se distingue das outras pelo conteúdo mais político. Apesar disso, sob um viés de humanização e revalorização do intelecto e da cultura muito mais do que uma abordagem histórico-acadêmica. Compus em meio às crises políticas, institucionais e (por quê não?) humanas que o Brasil passava nos últimos anos. A mensagem se faz bem clara ao clamar por não nos esquecermos, darmos as mãos e indicar que somente juntos poderíamos achar uma direção.
Passe bem!
Letra ácida e divertida sobre um relacionamento frágil e ainda buscando descobrir-se. Esteticamente talvez a faixa mais diferente do álbum por não ser um Soul, muito mais um Folk com ecos de Jazz Manouche. Quando a escrevi, buscava algo ao estilo Manouche de Django, um jazz anos 30/40 no qual a harmonia vocal de 3 vozes se destacasse, à la trilha sonora de “Bicicletas de Belleville”. Com o tempo, elementos mais Folk foram mesclando-se à canção, dando-lhe mais corpo até chegarmos à nossa maneira.
Ain´t no mari
Harmonicamente, Ain´t no mari vagueia pelo Jazz, Soul e Blues. A melodia é forte, densa, pensava muito em Sharon Jones (& The Dap Kings) para cantá-la. A letra, que brinca com o nome Mari(Juana) fala sobre experiências com a erva e como certas sensações podem “combinar com o sucesso mas não com o fracasso”. Gosto particularmente das dinâmicas que usamos nos arranjos, da introdução mais jazzy à explosão do segundo verso para depois oscilar novamente entre calmaria e explosão. O final faz uma referência às canções de baile anos 50 com mudança rítmica e backing vocals característicos. Uma dose de inocência que contrasta com o contexto e tema da canção.
O toque amoroso do gin
Segundo single do disco a ser lançado. Uma faixa muito especial por ser a única sem percussão e onde a mescla entre Blues e Jazz se faz mais presente. Assim como Billie Holiday considerava-se uma cantora de Blues, eu vejo “O toque amoroso do gin” como um Blues essencialmente. O Jazz derrama-se na cobertura e é especialmente enfatizado com o solo de trompete, maravilhosamente executado por Marco Stoppa, trompetista e co-fundador da Nomade Orquestra. A única participação especial do disco.
A letra vai fundo na consciência de dores e revoluções internas, sobre a morte, ou o desejo dela frente a decepções da vida. Mas também fala sobre renascimento e sobre apreciar o caminho da vida em “prosa” não somente quando “poesia”. Até agora, minha canção mais ouvida nas plataformas de streaming, o que é interessante justamente por ser a canção mais “balada”, talvez a conexão com as palavras tenha sido o forte com as pessoas, talvez a entrega que atingimos na gravação tenha ajudado com essa conexão também, talvez a vulnerabilidade e honestidade nas palavras ainda valha muito, talvez as pessoas gostem muito de Gin.
O que serve de motor
Canção que dá nome ao álbum. Tem duas partes bem distintas e complementares, uma em Português e outra em Inglês, o que ajuda ainda mais a enfatizá-las. Apesar disso, não houve espaço de tempo na composição de ambas, foram escritas para serem o que são, 2 partes de todo. A primeira, confesso que a inspiração foi Tim Maia quando compunha seus primeiros Souls, baladas sofridas e lindas. Fiz também de maneira arrastada e melancólica. A segunda parte, que conversa diretamente com a introdução da música, traz um Funk arrastado, malandro, Bill Withers deu a direção e nós fizemos do nosso jeito. O contraste funciona pela coerência com a letra e ao final, acho que trouxe um groove interessante. Essa dualidade é o que nos serviu e serve de motor.