MENU

O que a inteligência artificial pode — e o que ela não pode — fazer pela continuidade de negócios?

*Marcio de Freitas, gerente de Engenharia de Sistemas, Veeam Software

JULIANA VERCELLI
10/09/2025 10h10 - Atualizado há 4 horas
O que a inteligência artificial pode — e o que ela não pode — fazer pela continuidade de negócios?
Marcio de Freitas, Veeam Software (foto de divulgação)
A América Latina enfrenta um cenário preocupante para qualquer executivo atento à continuidade dos seus negócios. Enquanto a adoção de inteligência artificial avança, com projeções da IDC apontando que o mercado latino-americano deve ultrapassar US$ 3,5 bilhões até 2026, apenas 35% das empresas da região afirmam ter um plano formal de continuidade de negócios (segundo pesquisa da PwC com executivos da América Latina em 2024). Um cenário que revela mais do que um desalinhamento de prioridades. Ele aponta para o risco de um modelo de transformação digital centrado na eficiência do agora, mas que não enxerga os riscos do amanhã.

Segundo o relatório AI in Latin America da MIT Technology Review, mais de 80% das empresas latino-americanas consideram a IA estratégica para seus negócios nos próximos anos. Mas essa corrida tecnológica, por vezes movida mais pela pressão competitiva do que por planejamento estratégico, ignora uma questão essencial. Se os sistemas automatizados assumem papel cada vez mais central nas operações, o que acontece quando eles falham? A resposta não está apenas na criação de redundâncias. Ela começa pelo entendimento de que a IA, por mais sofisticada que seja, não é infalível e pode, em determinados contextos, ser parte do problema.

No melhor cenário, a inteligência artificial pode acelerar a detecção de incidentes, automatizar respostas iniciais e apoiar a recuperação de forma mais coordenada. Empresas que operam em ambientes de alto risco já colhem os frutos dessa capacidade preditiva. Algumas companhias, por exemplo, monitoram milhares de pontos de dados em tempo real para identificar anomalias que possam levar a paradas não programadas. A ideia é agir antes da falha, reduzindo perdas e preservando a operação. Mas o verdadeiro diferencial da IA está menos ligado à antecipação do problema e mais à forma como ela permite coordenar respostas em velocidade e escala que superam a capacidade humana.

Mas a tecnologia, sozinha, não basta. Mesmo os melhores sistemas podem falhar, e é nesse ponto que a percepção de preparo muitas vezes não condiz com a realidade. O levantamento From Risk to Resilience: 2025 Ransomware Trends and Proactive Strategies revela a fragilidade desse cenário na América Latina: antes de sofrerem um ataque, 84% das organizações acreditavam estar totalmente preparadas para lidar com ransomware. Depois da experiência real, esse número caiu para 63%, enquanto as que se viam pouco ou nada preparadas quintuplicaram, saltando para 10%.

Os números também detalham as armadilhas de depender demais da tecnologia. Entre as organizações que sofreram ataques, 55% pagaram o resgate e conseguiram recuperar os dados, mas 11% pagaram e não tiveram os arquivos devolvidos. Já 24% optaram por não pagar e ainda assim recuperaram suas informações. A lição é clara: resiliência não se mede apenas pela existência de um plano, mas pela sua capacidade real de funcionar em condições extremas. 

Além disso, a automação pode trazer uma armadilha silenciosa. Ao terceirizar decisões críticas para sistemas autônomos, as empresas podem perder a capacidade humana de reagir sob pressão. Quando a inteligência artificial entra em pane, a falta de preparo da equipe para assumir o controle pode prolongar ou até agravar uma crise.

Há ainda um limite estrutural que nem os modelos mais avançados conseguiram superar. A IA depende de padrões. Crises, por definição, são momentos que fogem do padrão. Nesses cenários, a rigidez dos algoritmos pode se tornar uma limitação, especialmente quando decisões precisam ser adaptadas a realidades novas ou sem precedentes.

O caminho mais seguro para as empresas latino-americanas, portanto, não está em abraçar a automação como solução universal, nem em rejeitá-la por medo do desconhecido. Está em entender onde ela efetivamente agrega valor e onde a ação humana continua insubstituível. Automatizar tarefas repetitivas, monitorar padrões de comportamento e acelerar análises durante eventos adversos são usos comprovadamente eficazes. Mas decisões complexas, que envolvem variáveis não previstas ou dilemas éticos, ainda exigem sensibilidade e discernimento que só os humanos possuem.

Esse equilíbrio só é possível com uma abordagem gradual e consciente. Começar por processos de baixo risco, como backup e recuperação de dados, permite construir confiança na automação sem comprometer a resiliência. À medida que a organização amadurece, áreas mais críticas podem ser integradas, sempre com salvaguardas e capacidade de reversão manual. O objetivo não é depender da IA, mas usá-la como multiplicadora da capacidade humana.

Por fim, é preciso reconhecer que essa jornada tem custos que raramente são contabilizados com precisão. Implementar IA em continuidade de negócios exige mais do que investimento em software. Requer infraestrutura robusta, governança de dados, especialistas qualificados e, sobretudo, cultura organizacional orientada ao teste e à adaptação contínua. A IDC estima que os investimentos em soluções de IA crescerão 31,2% ao ano até 2026 na América Latina, mas parte desse esforço pode ser desperdiçado sem uma estratégia clara de continuidade e mitigação de riscos.

Para muitas empresas da região, especialmente as de médio porte, talvez o investimento mais inteligente neste momento não seja em algoritmos sofisticados, mas em práticas básicas bem executadas. Ter um plano de continuidade atualizado, realizar simulações periódicas, estabelecer canais de comunicação claros e garantir redundâncias essenciais são ações que, por si só, já aumentam significativamente a capacidade de enfrentar uma crise.

A inteligência artificial pode, sim, ser uma aliada poderosa na continuidade de negócios. Mas só quando construída sobre fundamentos sólidos, dados confiáveis e uma cultura que valorize a preparação tanto quanto a inovação. A pergunta que cada executivo deveria se fazer não é se sua empresa está pronta para adotar IA, mas se ela está pronta para adotá-la de forma responsável. Porque no fim, a verdadeira vantagem competitiva pode não estar em quem automatiza mais, mas em quem sabe exatamente em que ponto deve parar.

 

Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
JULIANA VERCELLI
[email protected]


FONTE: veeam.com
Notícias Relacionadas »