A enxaqueca, uma das doenças neurológicas mais incapacitantes do mundo, ainda é subdiagnosticada e mal compreendida no Brasil. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que cerca de 15% da população brasileira sofre com o problema, que vai muito além de uma dor de cabeça comum. O impacto é amplo: crises frequentes afetam a produtividade, prejudicam o convívio social e estão entre as principais causas de afastamento do trabalho por motivos neurológicos.
Segundo a neurocirurgiã Dra. Ingra Souza, que atua em cirurgias de crânio, coluna e dor, o desafio começa pelo reconhecimento da doença. “A enxaqueca não é uma dor passageira. É uma condição neurológica crônica que provoca episódios de dor intensa, acompanhados de sintomas como náusea, sensibilidade à luz, ruídos e até alterações visuais”, explica. “O primeiro passo é diferenciar a cefaleia tensional, mais comum e leve, da enxaqueca propriamente dita, que costuma afetar apenas um lado da cabeça e apresentar caráter pulsátil.”
Apesar dos avanços no controle da doença, boa parte dos pacientes ainda utiliza medicações que trazem efeitos colaterais importantes, como antidepressivos e anticonvulsivantes. Esses fármacos, segundo a especialista, podem provocar ganho de peso, sonolência e lentificação do pensamento. “É uma troca injusta: o paciente melhora das crises, mas perde vitalidade, concentração e autoestima. Por isso, é fundamental conhecer as opções terapêuticas mais recentes”, afirma.
Entre essas opções está o tratamento multimodal, que combina diferentes estratégias para reduzir a dor e melhorar a qualidade de vida. As principais abordagens incluem infiltrações anestésicas, aplicação de toxina botulínica (Botox®) e o uso de imunobiológicos, medicamentos de última geração desenvolvidos para bloquear substâncias específicas associadas à dor da enxaqueca. “Essas terapias oferecem controle mais duradouro e menos efeitos adversos, o que aumenta a adesão do paciente ao tratamento”, destaca a Dra. Ingra.
Os imunobiológicos, aplicados por via subcutânea, atuam diretamente sobre o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), molécula envolvida no desencadeamento das crises. Embora a eficácia já tenha sido comprovada em estudos clínicos, o custo e a falta de incorporação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda limitam o acesso. “A tecnologia é segura e eficaz, mas o desafio é torná-la acessível. Não é razoável que o alívio da dor dependa da condição financeira do paciente”, avalia.
Outra dúvida recorrente entre pessoas que convivem com a doença é se a enxaqueca tem cura. A resposta, segundo a neurocirurgiã, é não — mas o controle é possível. “O objetivo é reduzir a frequência e a intensidade das crises. Muitos pacientes conseguem ficar longos períodos sem dor, desde que sigam um plano terapêutico adequado”, afirma.
Os gatilhos cotidianos também merecem atenção. Estresse, sono irregular, jejum prolongado, excesso de cafeína, estímulos luminosos e alterações hormonais estão entre os principais fatores que precipitam crises. “O autoconhecimento é parte do tratamento. Evitar os gatilhos pode reduzir significativamente os episódios de dor”, orienta a médica.
As mulheres são as mais afetadas pela doença, o que, segundo especialistas, está relacionado às oscilações hormonais do estrogênio. “Durante o ciclo menstrual, essas variações alteram a sensibilidade dos vasos cerebrais. É por isso que muitas pacientes relatam piora das crises nesse período”, explica a Dra. Ingra.
O diagnóstico, entretanto, ainda é um desafio. Apesar de exames de imagem como tomografia e ressonância ajudarem a descartar outras condições, não existe um exame que comprove a enxaqueca. O diagnóstico é clínico e depende da escuta e da avaliação criteriosa do médico. “Muitos pacientes buscam um exame que mostre o problema, mas a enxaqueca é identificada por meio da história clínica e dos sintomas relatados”, reforça a especialista.
Nos tratamentos modernos, os resultados tendem a aparecer rapidamente. A aplicação de Botox®, por exemplo, começa a fazer efeito em até duas semanas e pode reduzir a frequência das crises em até 50% após três meses. Já os imunobiológicos costumam apresentar melhora significativa a partir do segundo mês de uso contínuo.
A dimensão emocional também não deve ser negligenciada. A dor crônica associada à enxaqueca está relacionada a maiores índices de ansiedade e depressão. “Muitos pacientes relatam culpa, irritabilidade e isolamento. Controlar a dor significa recuperar a vida social e profissional”, observa a Dra. Ingra Souza.
Para a especialista, o avanço das terapias representa mais do que um progresso técnico: é uma mudança de perspectiva na forma de encarar a doença. “Durante anos, as pessoas naturalizaram a dor de cabeça. Hoje sabemos que a enxaqueca é uma doença real, com tratamento, impacto social e emocional profundo. Reconhecer isso é o primeiro passo para devolver autonomia e qualidade de vida aos pacientes”, conclui.
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PAULO NOVAIS PACHECO
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