Com prefácio de Ruy Guerra, a amapaense Carla Brasil estreia com “Cronofagia”: uma poesia suja, sarcástica e brutalmente sensível sobre o tempo e os abismos do agora
Estreia literária da multiartista funde palavra e imagem para criar uma obra cortante que confronta os paradoxos da existência contemporânea
ANA FERRARI DA COM.TATO
13/10/2025 12h23 - Atualizado há 19 horas
Leonardo Gudel
“A poeta não foge do sujo, vai até o limite, sempre em favor da ideia, sem sacrificar o encantamento perverso de algumas imagens, beirando o sórdido.” — Ruy Guerra, no prefácio
Carla Brasil (@eu.carlabrasil) não chega devagar. Sua estreia literária com “Cronofagia” (Editora Appris) é uma explosão estética e existencial. O livro reúne 37 poemas que não pedem licença: urram, debocham, sangram — e voltam em forma de versos para mastigar o absurdo do tempo presente. Não se trata apenas de uma coletânea de poemas — é um manifesto poético que escancara as feridas de um tempo que nos consome enquanto promete liberdade. O livro terá lançamento na Livraria da Travessa, de Botafogo, no Rio, no dia 13/11, às 19h. Com prefácio do cineasta, dramaturgo e também poeta Ruy Guerra, a obra já nasce com o peso de uma validação rara: “É muito bom ler uma jovem poeta, como Carla Brasil, que na sua primeira arremetida chega tão longe. Me dá vontade de usar um daqueles sonoros palavrões descarados, para escancarar o meu entusiasmo”, escreve ele. Multiartista de formação e atuação, Carla Brasil assina também a direção criativa do projeto gráfico do livro. Desde a concepção da capa até o conceito das ilustrações (criadas por Daniel Uires), sua visão estética integra o pensamento poético da obra. “Essas intersecções entre palavra e imagem não são apenas ilustrativas — fazem parte da narrativa do livro”, ressalta. O tempo como devorador — e como matéria poética Na tensão entre lirismo e brutalidade, Carla Brasil transforma o tempo — esse algoz invisível e onipresente da contemporaneidade — em personagem central. Os poemas abordam a ansiedade digital, a compressão da subjetividade, o esgotamento da produtividade e a ironia cruel de uma era que promete ganho de tempo, mas só oferece cansaço. “Esse jogo perverso entre aceleração e esgotamento está no cerne do livro”, explica a autora. Carla Brasil compartilha suas inquietações com versos que usam jogos de palavras, vasto vocabulário, ironia e sarcasmo para provocar o leitor. Para ela, o tempo não é um bem que possuímos, mas uma força que nos atravessa, nos escapa, e ao mesmo tempo, nos consome. A partir dessa convicção, o livro sugere que a identidade é fluida, a memória é seletiva, o amor pode ser um hiato ou um delírio, e a existência, em si, um jogo entre o absurdo e a poesia. Mas “Cronofagia” não é um inventário das angústias modernas. É um campo de batalha onde a linguagem — afiada, sarcástica, melancólica — enfrenta o colapso cotidiano com vigor poético. “É o retrato impiedoso de um tempo ansioso, barulhento e vazio”, define a sinopse. Uma escrita que recusa o conforto, provoca o leitor e reivindica o direito de ainda sentir — mesmo que doa. Ruy Guerra e a poética do abismo Se o tempo é o protagonista desses poemas, o território que a autora habita detalha os contornos críticos que a obra propõe: “Carla Brasil abre o seu livro com uma paródia sofrida e indignada do hino nacional, marcando a sua vocação do abismo. Os adjetivos patrióticos da letra original são trocados por palavras catárticas, no limite de sua intensidade, para falar do ontem e do hoje”, destaca Ruy Guerra. O poeta enxerga a densidade da escrita de Carla Brasil — sua capacidade de ir do escracho ao sutil, da filosofia ao esgoto, sempre com domínio da forma e da fúria. O Brasil, o hoje e tudo aquilo que é percebido pelo eu-lírico são representados por Carla Brasil a partir de um léxico misto: há brutalidade e crueza em suas escolhas linguísticas, mas também há lirismo e uma certa melancolia. Ruy Guerra ainda define Carla Brasil como "nefelibata com pés no esgoto", celebrando sua capacidade única de conjugar abstração filosófica e crueza do cotidiano. "A poeta não foge do sujo, vai até o limite, sempre em favor da ideia", escreve, destacando como a autora constrói imagens que "beiram o sórdido". Criar com o Norte em si, como idioma mais íntimo Carla Brasil é amapaense, de Macapá, e explica que a relação com o estado nunca foi geográfica – mas visceral, cotidiana e entranhada. Poemas como Voo do Norte, presente em Cronofagia, é um exemplo dessa relação. De acordo com a autora, “o texto tem o ritmo, o vocabulário e aquele silêncio cheio de coisas que só entende quem é de lá. Não é saudade folclórica — é presença que continua, mesmo longe". Ainda sobre sua relação com o Amapá, Carla disserta: "Minha relação com o Amapá nunca foi geográfica — é visceral, cotidiana, entranhada. Macapá me atravessa sem alarde, inclusive nas palavras que uso sem perceber. Poemas como Voo do Norte nascem daí — de uma terra que não se anuncia com estardalhaço, mas que permanece, discreta e firme, no fundo da pele. O texto tem o ritmo, o vocabulário e aquele silêncio cheio de coisas que só entende quem é de lá. Não é saudade folclórica — é presença que continua, mesmo longe.
Macapá não é necessariamente um lugar que explica o que ou como eu escrevo — mas talvez ajude a entender por onde comecei a sentir. A musicalidade da fala, os sabores exóticos e únicos, o marabaixo como transe de raiz, as canções de Zé Miguel — tudo isso foi afinando minha escuta antes mesmo que eu soubesse escrever. Foi assim que beleza, estética, pertencimento, deslocamento, chão, céu e inferno, deixaram de ser conceitos — e passaram a fazer parte da minha forma de sentir o mundo.
Não crio de longe. Crio de dentro. Crio com o Norte em mim, porque ele meu idioma mais íntimo. E se um dia disserem que virei “poeta carioca”, tudo bem… Mas aviso logo: eu sou é carioca do Amapá. Foi assim que me apresentei na escola quando cheguei em Goiânia, e a professora, ouvindo meu chiado, perguntou se eu era carioca e respondi, sem pestanejar: Sou sim, carioca do Amapá.” (achando que carioca era quem chiava).
E talvez eu seja mesmo."
Macapá não é necessariamente um lugar que explica o que ou como Carla escreve — mas talvez ajude a entender por onde começou a sentir. “A musicalidade da fala, os sabores exóticos e únicos, o marabaixo como transe de raiz, as canções de Zé Miguel — tudo isso foi afinando minha escuta antes mesmo que eu soubesse escrever. Foi assim que beleza, estética, pertencimento, deslocamento, chão, céu e inferno, deixaram de ser conceitos — e passaram a fazer parte da minha forma de sentir o mundo", conta. Uma autora que integra linguagens e provoca territórios Carla Brasil é poeta, escritora e multiartista, vivendo e criando no Rio de Janeiro. Sua produção transita entre literatura, design, artes plásticas e fotografia, sempre com um olhar inquieto e provocador. Sua poesia é marcada por um tom irônico e melancólico, misturando lirismo, crítica social e uma dose afiada de sarcasmo e refletindo paradoxos da contemporaneidade. Seu talento já foi reconhecido em premiações literárias nacionais, como o Prêmio Poesia Agora – Primavera 2020, da Editora Trevo, e a Seleção Poesia Brasileira, Poetize 2021, da Vivara Editora Nacional, na qual teve poemas selecionados entre milhares de inscritos."Cronofagia" marca sua estreia no universo literário. Trecho do poema Hino Marginal Brasileiro: "Distante da sua própria natureza, És cego, és pobre, esquálido, corroso, E o teu futuro espelha essa fraqueza. Terra calada, Entre outras mil, És tu, Brasil, A mais roubada! Pros filhos deste solo és tão hostil, Pátria amarga, Brasil!" Trecho do poema “Clichês do tempo”: "corre o tempo e eu não corro ele salta colinas eu me destroço em pedregulhos ele voa absorto e eu fico na lama, no rastro bastardo do seu pecado passa com seu olhar perfilado seu fôlego arbitrário o riso sarcástico e dissimulado de um deus ordinário" Adquira “Cronofagia” em breve no site da editora: https://editoraappris.com.br Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
ANA LAURA FERRARI DE AZEVEDO
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